PRÓLOGO ( Por Sebastião Bemfica Milagre ) Sempre que desponta um novo dia, há uma esperança. A luz
desce dos montes e vai atingindo as grotas mais inóspitas. De repente, tudo é dia, calor, vida, dinamismo. Também quando um
poeta desponta do inédito, há uma esperança. É o caso de André Rocha, que está sendo impresso, pela primeira vez, em livro.
Só que, aqui, não se configura mais o sentido de esperança, porque o autor demonstra, em seu trabalho poético, ser possuidor
do instrumental que define o começo de uma obra destinada a se concretizar através do tempo. Antenas para receber o recado
poético, agudo veio de prospecção dos temas, auto-crítica, contenção do supérfluo (ainda que se extravase no momento necessário),
alto sentimento do humano, garra e nada de receios. Estou me lembrando de ter lido sobre Augusto dos Anjos, que,
vindo da Paraíba, rodava pelas ruas do Rio de Janeiro, sobraçando a preciosa carga dos originais do EU, à procura de editor.
O primeiro livro é sempre um sonho, e disso não conseguiu André Rocha safar-se, à partir do título designativo de sua (e de
outrem) juventude . Utopia é o país do Sonho, utópico é o irrealizável. Mas isso é natural acontecer, porque o jovem, por
muito à frente que se encontre, suspeita não haver lugar para ele, principalmente no seio de escritores. Suspeita apenas,
porque, na verdade, não há autor, já por vezes editado, que não tenha sido iniciante. Acho muito importante quando
um moço teima em publicar suas obras. Dou-lhe os parabéns. E, de minha parte, como alguém que, há anos, vem se dedicando à
literatura em Divinópolis, convido André Rocha para sentar-se à mesa da poesia, abrir sua linguagem e assumir o cargo que
lhe cabe neste momento histórico em que, como nunca, está sendo valorizado (não no sentido monetário) o artesanato do artista-escritor.
Não vou me alongar no vão trabalho que seria o de esmiuçar os poemas de Juventude Utópica; deixo este prazer ao próprio
leitor que, a cada página, poderá tirar a mensagem que souber encontrar no subjetivismo dos textos. O autor, ou eu, diante
de qualquer interrogativa do leitor de repetir, tão somente, a atitude de Beethoven que, quando interpelado, por uma ouvinte,
a respeito do que significava aquela sonata, sentou-se, mudo, de novo, ao piano, e reexecutou a obra. Divinópolis
, outubro de 1986 Sebastião Bemfica Milagre Para Nietzsche: O maior dos
meus elementos É ser um degrau... Muitos humanos já me galgaram, porém, Conservo-me superior por
fazer Parte da escada das ascensões. ÍNDICE TESES IMPULSO O
MENINO MORADORES DO INFERNO LUZ PALAVRAS IRA TRÊS ASTRO A MANHÃ
FAVELA PENSAMENTO ALADO MISSIVA À MULHER AMADA I RODA VOLTA A PORTA MOÇO
ENCARCERADO LAMENTO MERETRIZ SÚPLICA FLOR DE OUTONO QUERER C DE CAIXA
MARGARIDA SONHO DOS ANJOS PAISAGEM COBRANÇA SAUDADE MISSIVA À MULHER AMADA II
VIAGEM CORPO I (O INÍCIO) CORPO II (O MEIO) CORPO III (O FIM) IMAGEM PREÇO DA
SALVAÇÃO DONO DO ACONTECER ALÇAPÃO TEATRAL ANIMAL CARROSSEL JUVENTUDE UTÓPICA
(Sonetos I a X) TESES Seu grande sonho é ser poeta, é ser cantor
ter a mulher amada e filhos filósofos. É ser filósofo é ser amado e ter filhos poetas.
É ter filhos da mulher amada, filósofos, poetas e cantores. Seu coração é dono de muita dor não
tem inspiração nem violão, é estéril e não tem amor. IMPULSO Antes
furta o olhar da nudez descortinado Fazendo fluir, sem controle, a libido latente Perdendo a razão sobre aquilo
que sente O pudor, pelo impulso, se faz sepultado Poderia morrer sobre um útero alugado E
abraçar o prazer no mais torpe ambiente Aquele que o homem apedreja normalmente Depois de amar e de tudo ter
gozado Fujo contrariado e prazeroso desse fim horrível Em que o amor fenece e a sodomia expande
Onde a mulher caiu e se apodrece inteira Mais depressiva, morto o ato, do que aprazível Ao último
cliente presenteara com úlcera grande Que leva para o leito de morte a doença inteira O
MENINO A lágrima caía no prato de louça O sal no feijão do meio-dia Sentado à mesa da incompreensão
após as lições matinais Os dedos na boca Os olhos vermelhos Talheres refletiam a imagem distorcida
da mãe que dizia: Homem não chora E o soluço do menino expandia-se pela casa vazia Inútil
procura da família morta Fitava a parede branca, revivendo cada momento tedioso O medo dos fantasmas
da rua que atacam as crianças à luz do sol E dormem em seus pensamentos noturnos O medo dos fantasmas
dos pais Que os acompanharão durante o dia Serão seus fiéis guardiões à porta da noite E os
atormentarão até o final das pulsações Pressionava os lábios e mordia as unhas inocentes O
volume do choro retratava o jornal cobrindo o rosto do pai E nele se lia - cama, comida e dinheiro O
menino ergueu os talheres sobre a mesa farta Passou a língua nos lábios E novamente comeu as próprias lágrimas.
MORADORES DO INFERNO Oh! Senhor dos holocaustos, atendeste aos reclamos de
minhalma erguendo-a para a vida celeste Toda sua veste fora ungida com óleo santo O corpo embalsamado
para o sepulcro divino Quanta carne balouçava entre as colunas de fogo do templo queimando cada gota
de sangue em sacrifício ao deus do desespero Tranças de meus cabelos pendentes no altar à espera do devorador
- O leão que ruge e tem as asas como chumbo - Grande é a infelicidade do mal alado suas próprias
asas o impedem de voar Lutavam o bem e o mal sob meus pés dormentes Ambas as espadas erguiam a vitória
Ambas sucumbiam e, após os gemidos, emergiam da terra como se acabassem de nascer Mais vigorosas e bramando
com intensidade maior Ao redor do lago de enxofre meus anseios travavam suas batalhas e a esperança
lançava grandes jarros de água límpida para aplacar o fogo e, inutilmente, saciar a sede inacabável dos
moradores do inferno. LUZ Emane luz... Sacie minha mente superior de fé
e esperança enquanto o ceticismo e a descrença esvoaçam por entre a escuridão de meu EU interior. Contorne-o
de um esplendor tão nobre, tal qual o da aura de Jesus, o intrépido e sábio filho de Deus. As trevas
de meu coração adormeceram no divã da solidão. E a solidão canta e seus ouvidos as canções que a
alegria e a esperança entoariam ante a face do abismo. Seu eco vai roçando as montanhas, mas não as
consegue florir; vai aniquilando o silêncio e não o consegue embalar; vai subindo ao céu, mas não o consegue
tocar. Emane luz... Quero ter o poder de conceder o perdão a meus assassinos. E quando
me cobrirem de flores sem caules, indagar sobre o que é mais digno: - Coroa de falsa flores, ou coroa de
venenos espinhosos? Quando a minha cruz se tornar insustentável, quero jogá-la aos céus, para que seu
vôo irradie força aos decrépitos, liberdade aos encarcerados e vigor às almas sonolentas. Quero sentir
no fundo de minha alma a presença de uma energia tão vital e criativa quanto a que habita nos seres verdadeiramente
iluminados. Emane luz... Ilumine o caminho para a chave desta cela sem grades que não consigo
romper por ser jovem e ser homem, um eterno sonhador e uma simples poeira nas mãos de Deus. Meus pés
estão enterrados na argila desta terra incerta. Minhas mãos livres, porém rondadas pelos preconceitos
tradicionais. Meus ideais em luta constante contra as leis injustas. PALAVRAS
Palavras são correntes que enforcam as mentes
dos agraciados Das amarras terrenas
aplaudimos as cenas de livros queimados Letras que voam
em conjunto apregoam somente enfados
Cansa-me o tempo rouba-me o tempo com tudo falado
Os ouvidos tranco em silêncio franco
inseguro cadeado O olho furo
temo o escuro nada é solucionado Restam-me os sentidos que andam falidos quando
argumentados Por falta de uso ou constante abuso estão parados A palavra ignoram
ídolos adoram e são condenados Meu tempo é curto e a vida furto dos iluminados
A própria sede matando a sede em suco envenenado E o espírito acorda não mais
concorda em estar acorrentado IRA Antes que minha ira, minha paz destrua Rasgando
ternos trapos sobre o sossego Fechando calmas portas em que chego Bradam peitos mortos, secos, pela rua
Antes da queda cálida do aconchego Na estéril terra o mal construa Do vento roube e espalhe prole sua
A sementeira lavrada a seu emprego Mas, ancorando braço forte ao sacrifício Do sangue quente, a
força rompe a grade Erguendo bandeiras castas contra o malefício Porque o olho mentiroso espelha maldade
Imagem bela, sinistra, casca e artifício Refletida na água vulcânica da verdade TRÊS
Três vezes bati à tua porta e ela se abriu livre de insegurança Entrei ainda sem saber o que queria
e me perdi no labirinto de teu corpo Porém minha alma abraçava com força teu falso espírito em festa
Três vezes cantei a música que teus ouvidos não queriam ouvir e no entanto acolheu-a perante o medo Transformou-a
em esperança até que cessasse a melodia em minha língua Três vezes ergui a espada do egoísmo repulsivo
e lancei-a sobre o teu coração cansado e triste Jorraram flores cobertas de lama e um lírio tímido em
minhas mãos Eu os cobri com terra fértil, mas uma enxurrada de preconceitos os devastaram Três vezes
caminhamos entre correntes de ciúme amarradas em ventos passados Eles ainda movimentam meus cabelos como
se os arrancasse sem que conseguisse transformá-los em brisa Três vezes feri tua alma com ferro em brasa...
Foi o fogo da ignorância Minha loucura voltou de mãos dadas com a sabedoria e bradou: - Malditos
sejam os precursores da dor no peito das mulheres Três vezes segui a mesma palavra sabendo que era
covarde e errônea E só agora vi que é necessário secar a procura e caminhar sozinho. ASTRO
Longe brilha a luz do sol roubada Do astro impotente em se iluminar Reflete hoje a claridade passada
O ontem ilumina o céu do futuro Anos antigos traz a luz presente Passado que nos livra do escuro
No mesmo instante, a cada dia O clarão invade suas montanhas E daqui, pela noite, criamos nostalgia
Assim como chega, afasta então E o astro incansável segue sua rota Sem recompensa, sem adoração
Ponto branco a noite cortando Solitário caminho de astro tão belo É preciso sensibilidade para vê-lo
passando A MANHÃ TRIMMMMMM... CLIC! SEIS HORAS Prolongava a noite o cobertor
rasgado Sufocava-me entre os lençóis lilazes Exalando o odor das secreções noturnas Ruminando a saliva
armazenada para matar a sede do sono Era a hora da preguiça... Mais uma vez era manhã e tudo realmente oprimia
O cheiro almiscarado da cama suja e a queimadura costumeira no estômago O barulho dos carros, o apito da
fábrica, o cheiro de café do vizinho Terminou o feriado da guerra A pobreza nos convida à batalha pelo
patriotismo estomacal Somente os generais dormem até o meio-dia Piscando secamente meus olhos acordaram e
a luz varreu a sombra de meus sonhos Sonhava com amigos antigos; mulheres antigas e exploradas Beijos e abraços
antigos; antigas honrarias e aplausos No museu de meus sonhos o ego é feliz Ontem mil braços erguiam-me e estava
de mãos vazias Fiquei meio triste quando estava só, ouvindo o eco das palmas e o murmurar das línguas Afinal,
o eco é coisa que bate, rebate e machuca um pouco aos ouvidos sensíveis É essa lembrança enganando o presente
Dez horas estive deitado e vivendo aflito Sinto-me como se correra toda a noite atrás de um sonho fugitivo;
uma idéia perdida no subconsciente procurando abrigo sob a razão A cabeça esparramada no travesseiro nada vale
numa casa vazia Enquanto alguém não apontar seu preço é impossível que se dê um valor Meu corpo tomara
a forma do colchão e nem rolar queria Deixava o único movimento para as pálpebras cortinando e descortinando
a solidão O silêncio me faz tão só que canto-lhe minhas canções Ingrato que é, nunca me aplaudira Escuta-me
com aquela atenção fúnebre Sonhei revoltado com o ontem e o hoje, este colecionador, fez-me só Sonhei
esperançoso com a certeza futura e o hoje, este caótico, a fez pó Basta de pensamentos inertes!? Lancei
os lençóis no ar e abandonei a cama Tão grande para um pequenino como eu Se ao menos meus ursinhos estivessem
aqui... Segunda-feira. É segunda-feira? As prostitutas voltam para casa Preciso ir ao banheiro e rir
para o espelho Recitar o último poema decorado e entoar as vogais Inspirar, expirar, inspirar... A, É, Ó, Ê,
I, Ô, U Inspirar, expirar, inspirar... A, É, Ó, Ê, I, Ô, U É preciso cortar vícios e se educar novamente
O mundo não me enxerga bem... Ó face sombria que deflora o dia e definha-se no abandono, Cubra-se com a
tua melhor máscara em que todos reconheçam Meu nome ao mínimo gesto de hipocrisia. Lavo-me todo e visto roupa
nova Toda a carcaça pesada do sono fugira pelo ralo do banheiro Vejo-me nu para o dia e disposto a ver algo
diferente Quem sabe a volta do Messias ou a Terceira Guerra Mundial? Ah, essa monotonia do planeta é que me
ataca o coração Ligo o rádio em alto volume e a inevitável televisão Sento-me a ler o jornal sustentando infinitas
letras inúteis Minha solidão encheu-se de barulho e imagens de desconhecidos Conturbei-me e passei a andar
pela casa invadida As mãos espalmadas na nuca e os suspiros indignados Olhei para o relógio; sete horas
Segunda-feira. É segunda-feira? Fui chorar na cama e adormeci. FAVELA De
trapos e negros cotovelos repiso a calçada fétida do tempo contando os tijolos em muralhas erguidas pela
pobreza dos ricos Amassando o barro que esculpirá os barracos dos pobres insatisfeitos Ando esquecido
de mim desde que olhei-me da lua Um cisco no corpo de deus chorava pelas ruas procurando pão Uma
máscara de tormento querendo um colo onde ancorar o desalento... Sou as fezes desprezadas pelo verme no
crânio dos mortos Sou uma favela ambulante PENSAMENTO ALADO Pensamento alado_____________________________Cai
na enseada foge do enfado________________________________de asa cansada e da solidão__________________________________arrasta
no chão Da mente cansada_____________________________Reclama ajuda da pessoa enganada____________________________que
o tempo o acuda pelo seu irmão________________________________da triste ocasião Liberta-se ao léu______________________________Sente
o tormento rasgando o negro véu__________________________o caos do momento da incompreensão_____________________________vive
a perdição Do corpo fraco sai_____________________________Vem a chuva mansa abrindo caminho vai____________________________lava
sua trança para a salvação________________________________com lama e sabão Voa aturdido__________________________________Seca-lhe
a tez procurando abrigo______________________________sentindo a robustez noutro coração_________________________________ambas
sumirão Que seja bonito________________________________Dá-lhe limpa veste um pouco aflito________________________________a
seu favor investe pela paixão____________________________________retirando a podridão Que tenha temor________________________________Vem
a tempestade transborde de amor______________________________trazendo a verdade viva em oração_________________________________na
palma da mão Seu destino cruel_______________________________Arrancando raízes semelhante ao fel_______________________________criando
matizes dá-lhe tribulação_______________________________na devastação Correndo do mal________________________________Que
anseia um céu querendo do real________________________________coberto de mel a doce visão____________________________________no
trono do zangão Pensamento alado_______________________________Um templo incompleto está estampado_________________________________de
homem repleto na face de Adão________________________________sem consagração O fogo no jardim_______________________________O
ódio do pecado Eva era assim__________________________________e o erro perdoado na resolução___________________________________purifica
o coração O fruto proibido________________________________O beijo mal dado suco da libido__________________________________de
tudo escarrado exoneração____________________________________é dado na mão A face escondida________________________________A
língua que fala atrás da falida___________________________________o veneno embala força do perdão__________________________________em
composição A hora do medo_________________________________E lambe a saliva trouxe mais cedo________________________________constrói
deusa altiva a condenação___________________________________da destruição O medo da hora__________________________________Pecado
falado trouxe sem demora_______________________________Satã avisado a crucificação___________________________________da
destruição E cada sentimento________________________________Cuidado esquecido que não tem fundamento___________________________encontro
perdido preocupa o cristão________________________________com a comunhão Erguendo valores_________________________________Águas
salgadas matando senhores_________________________________fazem estagnadas que não servirão__________________________________fontes
de depressão A força do vento__________________________________O choro no fim derruba o convento________________________________que
faz o assim da maldição______________________________________sem afetação Trazendo à tona___________________________________Ainda
mordo a serpente os seios da dona___________________________________com ira no dente do leite são_______________________________________e
faca na mão Nas ruas jorrando__________________________________Ainda volto ao ventre ao sedento engasgando______________________________procurando-me
entre garganta em erupção________________________________a escuridão Engole o veneno___________________________________Encontrarei
a cabeça bálsamo ameno____________________________________antes que me esqueça produz corrosão____________________________________na
imaginação Das duas que lavam_________________________________De que adianta Maria prefere que encharcam_______________________________na
cama vazia seu rude pão_______________________________________se amo a Conceição A crosta sangrenta__________________________________O
sexo não adianta a terra alimenta_____________________________________se o amor não imanta choros passarão____________________________________como
condição Lágrimas derramadas_______________________________O depois é enfadonho longe das espadas__________________________________acorda
o sonho que nos matarão___________________________________da paixão Pensamento alado__________________________________O
câncer mental está acorrentado____________________________________traz ignorância tal na alucinação______________________________________como
alienação Crescendo a ferida__________________________________O morto-vivo na mente doída_____________________________________ainda
ativo corrói a razão_______________________________________pede perdão Segurando a cabeça__________________________________Setenta
vezes sete antes que esqueça___________________________________aquele que promete o corpo no chão_____________________________________esconde-lhe
a mão Viver sem sentido___________________________________O espírito enternece destino contorcido___________________________________e
o cérebro esmorece resposta de pagão____________________________________seca a emoção Miolo inválido______________________________________Toda
visão embaraça sangue cálido_______________________________________carcomida pela traça morrerão___________________________________________miopia
da razão Restará o que empresto_______________________________O desejo da volta todo meu resto______________________________________produz
a revolta me volta à mão______________________________________na força do não A matéria restará_____________________________________Sendo
do mal polida a alma subirá________________________________________a mente ferida consolação__________________________________________volta
em canção Agora chegou o fim_________________________________Pensamento alado a morte diz sim_____________________________________retorna
cansado iniciação__________________________________________à casa da razão MISSIVA À MULHER AMADA I
Sou um louco assexuado e panteísta que divaga à sombra das premissas ocultas. Esse homem que se move dizendo
ser eu, é apenas uma semente crescida que Deus lançou para morada de seus anseios. Se ambicionas transformar teu vero
amor em meu esteio, mulher, traze tuas ambições místicas para que juntos lutemos pela posse dos elementos da sublimidade.
Pisaremos em todos os grãos da praia com um bastão a remover as pedras que nos interpelarem com mau agouro. Ouçamos
os pequenos grãos e desprezemos as grandes e arrogantes pedras; deixemo-las impregnadas pela paixão ao poder, que não será
o alvo da flecha de nossos desejos. É mister que o silêncio reine enquanto sentimos a força incólume que liga os ouvidos
dos homens às cordas vocais do universo. Ouçamos a música da natureza e deixemos que nossas almas dancem com os espíritos
da terra. Quem entende a linguagem de música, entende também a linguagem da natureza e Deus fala por ela. O vento
que toca suavemente as folhas de uma árvore; assim como os furacões que devastam as vilas, trazem consigo a Sua mensagem.
Será uma descoberta progressiva e um crescimento compensador. A vida eterna pousará sobre nossas cabeças. Para nós
as nuvens se desfarão, os homens comuns se emudecerão, o mar se tornará espuma e a praia um tapete celeste. Nossas almas
encontrarão o amor maior... E o que é o amor vulgar senão uma vaga e inexplicável carência mundana? Tudo nos será
eterno; tu, a mulher perfeita, e eu, o homem perfeito, viveremos o mais excelso e verdadeiro dos amores que rondam como serpentes
venenosas as tristezas e alegrias dos homens. E o meu simplismo hiperbólico será mais que um pensamento perdido no tempo.
RODA Gira, gira, gira... Pára Olha para o céu Grita: - A bomba!
Chora Gira, gira, gira... Pára Olha para o céu Grita: - A bom... BUM! VOLTA
Ela voltou de braços abertos de flores na mão sorriso comprado carinhos à prestação A
mesma conversa sobre o coração Ela gritou meu nome ao vento morreu no momento sem minha audição
Por todo lamento caiu em perdição Maria Madalena da nova geração Ela chorou todas as lágrimas
secas de arrependimento por todo tormento que traz solidão Pedira meu leito cedera seu peito a
qualquer cidadão Ela cantou a música triste composta no cemitério acorde tão sério só pode
ferir Enterra seus mortos sentimentos tortos nasceu pra cair Ela caiu de cara no chão
lambeu o esperma da fúria eterna impulso à razão Homem da caverna arrasta pela perna terra
em polução Quando partiu levou minha alegria jogou-a na estrada não foi encontrada perdeu-se
em vão Em toda calçada procurei-a atada ao lixo do chão Ela falava de coisas malditas de
anjos caídos meninos sofridos amores falidos mulher sem coração de seios doídos e calo na mão
Ela viveu como rainha ganhando delícias comprando carícias pagando com pão Construiu a
malícia de ser um cordeiro mais que dragão Ela voltou sem a teia sem garra e veneno discurso
ameno sobre a paixão Sozinha passeia gorda e feia saiu da prostituição A PORTA
Conheço, com zelo, o que há de pequeno nos gigantes E contra tal peso, amarrado à sapiência, é que luto Sou
pequeno em massa, pequeno em sonho, porém bruto Que guarda entre desejos a fé cega dos infantes Não quero
ter grandes pegadas aniquilando os semelhantes A tudo que reclama, agride e chora também escuto Prefiro aquilo que
fala alto em todo o silêncio absoluto De grande só quero o amor no silêncio dos amantes Em nenhum museu, no
futuro, estará minha carcaça Ostentando em pedestal inútil o tempo que passa Nenhuma lembrança ou valor terá minha
natureza morta Há nos gigantes um erro que os fazem contentes Ter carne em abundância, ossos e mentes indigentes
Que aos pequenos se curvam ao passar pela porta MOÇO ENCARCERADO O piso de mármore congelava
os ossos daquele corpo faminto Nas paredes borradas, as inscrições retratavam maculações escarradas pelos
homens comuns O lodo e o podre desenhavam em linhas disformes a face de mulheres nuas e musas imaginárias
O ar pesado conduzia o baile das moscas que em círculo choravam a lavagem sem sangue Os vermes rastejavam
nos cantos escuros à procura de um estômago perdido Eram grades enferrujadas, as portas para o mundo Assim
como são todas as portas do mundo para o ancião incrédulo Um único raio de sol cortava a negritude dos tarugos
enterrados no teto Deixavam produzir a imagem do corpo estirado e magros ratos debilitados Nas mãos do
tempo o teto depositou seu desejo de morte Pingos e pingos gotejam em ritmos insatisfeitos com a sina Concretos
seculares se descolam despedindo de grão em grão dispensado Assim como a terra se despede inconformada de cada
relva devorada pelo fogo Era sempre noite... E no centro desta sala luxuosa, dorme o moço encarcerado.
LAMENTO Aquele antigo espírito de fé se transfigura Em múltiplos conflitos avassalando a sorte
De temer-me e ao mundo mais que à morte Sou a mais complicada e neutra criatura Tenho fome e assim não
vivo forte Para enfrentar, sem medo, esta vida dura Nenhum remédio existe; nada me cura Ando perdido até que
o tempo me transporte Minha cor fugiu por não estar comendo E apesar de tudo, em mim, estar descendo Não
perco esta ilusão e solidão altiva Estranho-me por ser assim tão humano Sustentando a idéia de amor profano
De natureza triste e, infelizmente, viva MERETRIZ Mulher menina em teu seio o bravo deita
Cedendo e tonto pelo jarro de jasmim Teu perfume é louco e a imagem bem feita Mulher bela, quem te fez assim?
Com traços finos de coisa perfeita Hipnotizando e me tirando o sim Qualquer coisa doce e prazerosa aceita
Mulher do povo, só és bela para mim Seus braços amarram o coração em teia Aranha negra, da sociedade
a escória Por baixo preço nem mesmo passeia O gozo mata sua beleza em instante Não se alimenta melhor
que capim Mulher da vida de qualquer amante SÚPLICA Aquieta-te violência Que teu som
dói-me o altruísmo ainda nascente Amordaça o pensamento lírico solto no papel Querendo rasgar o poema de paz Tu
que és vocábulo austero e rude em lábio infantil Afasta-te das cirandas e dos parques ocultos dos adultos Não te
dês a conhecer pelas crianças Apieda-te dos pacifistas que nunca alcançam seu fim Dançando nas línguas ou enrijecendo
os punhos Desejando sangue ou fabricando bombas Mesmo que não minha, vejo-te roçando meu caminho Ostentando
riso cínico à porta do cemitério dos santos Que tua escrita apague-se de minha memória presente e futura Não mais
ataque meus ouvidos e morra nos dicionários antigos Quero-te palavra esquecida e morta Violência psicológica - por
ignorância e fé Físico-violência - pelo amor e a moral Violência espiritual - pela paixão aos milagres Quisera
eu ignorar-te não fosse esta tua Insistência por crescer e se espalhar Vejo-te nos jornais e na televisão fazendo
teu eco: - Violência, violência, violência... Violência na comunicação, informação à cultura de matadouro Semente
que não morre em terreno calcário Onde se incham os pés dos lavradores sossegados Onde as tabuletas arriscam honestas:
A mãe que grita_______________________A morte do Papa O patrão que se irrita___________________A pobreza entendida
A esposa que se nega___________________O pirulito roubado O marido egoísta______________________O medo da morte
A oração não atendida__________________A saudade do ventre O silêncio dos santos___________________O amigo sumido
Foste tu, ó violência, que vieste às costas Do primeiro recado? Que saístes do esperma de Adão? Serás
tu, ó energia maligna, que apagará As luzes do mundo? Infinitas vezes dir-te-ei para entender-te Dormirei contigo
nos lábios recitando: - Violência, violência, violência... Chega de sangue pela rua, de armas, de gritos e monstros
Cacetetes erguidos e homens irados Tua ferida não se cura e entristece-me tua lembrança Reconcilia-te com a
paz, esta tua irmã rebelde, Que nunca se basta Ajunta os corpos no campo anunciado o fim da greve Não mais
podes fazer? Quero esquecer-te apesar de inesquecível O corte do seio da menina; o hematoma no sexo do garoto Teu
poder machuca-me a quilômetros de distância Onde andam os cadáveres famintos Braços, pernas e cabeças espalhadas;
Terror incontido Não tentes erguer meu corpo à primeira luta E que o último tiro não seja o meu Nem o único
morto a queimar tua bandeira Ainda voltaremos com o mastro na mão E clamaremos a ti, ó violência, Aquieta-se!
FLOR DE OUTONO Jaz nas veredas da morte a flor que deu origem a quem me nasceu Colo
de cabeças embriagadas pelo veneno ronceiro da vida Mão que alivia as dores do nascer dos galhos na árvore
do crescimento Caminha rastejando atrás das pegadas profundas na decrepitude de seus ossos e músculos No
outono que a possui, somente profere palavras idiotas e já não mais canta, geme bufando Já não toca, apenas pega
tremulando Já se curvara para a terra em louvor ao Deus que tanto me proclamava Não tem mais lágrimas e sorri
quando a desgraça infiltra em seu coração É uma flor inválida à beira do abismo esperando alguém que lhe
dê o sopro divino Maldito dono das horas e dos dias que lança em meu coração a pena pelos seres que se vão Maldito
senhor do tempo que fizeste chegar o outono de minha avó, que cai de corpo no sepulcro que ela própria esculpiu.
QUERER Quero um morto torto numa corda bamba Fazendo o espetáculo último e primeiro Quero
um morto torto numa corda que não anda Parada, em equilíbrio, ao aplauso do povo Quero morrer com meu corpo numa
cela de cadeia Quero ser um louco encarcerado como um canto que não sai Quero que a noite não se zangue
nem me espante E os fantasmas me rodeiem Nunca mais virei aqui no cantil da menina Eu a tenho como musa
De água ardente é que mata sua sede e tonteia os mocinhos Quero um canto morto em minha língua Quero tudo
morto à mesma hora Quero mais que um sonho mais que a dor Acalmar os sonhos doídos Quero um morto torto numa
treva que não anda desviando-se dos raios de luz Quero tudo leve numa estrada Quero que se corra, que se mande
e nunca chegar ao destino Quero a vida longa no meu peito Quero a juventude bem sensata no meu seio E fazer
o que é certo sem medo Quero que você não ouça este canto como homem da rua Quero que não ande pela rua nua
mas vista-se com a minha roupagem Quero a noite bem ligeira Quero num teatro ou numa esquina qualquer Quero
que meu corpo morra numa cela de cadeia Veja quanta moça perdida na esquina É a hora de mentira Se eu as amo,
eu me amo muito mais Quero que a noite venha trazendo a utopia e tudo seja deleite para a alma Quero ver
meu corpo encarcerado numa cela de cadeia Quero ser acorrentado em praça pública e ser chicoteado pelos olhos alheios
Quero morte e quero vida Quero tudo e quero nada Assalta-me o querer... Quero querer saber o que quero
C DE CAIXA O cadeado se abre calado ao caos da cachaça Na cadência caduca do cabaré
Jaz o caixa sifílico caído com o cacete a caçoar: Aquela cadela trocou o calor da cama pelo calafrio do
calvário. Deixou o castelo do capeta cantando um cachorro canceroso. Cena na cela, cega cerimônia
Cegonha no cemitério celebra o certo O cérebro cercado cega-se ao céu
Centro celeste Cena na cela, cerimônia no cemitério Cálida cadela Chamaram o chim
do chicote para a chacina da chama Chapéu cheio de chulo chamamento Chaminé do chefe; chupeta na chuva A
chapa chata chorou o chumbo no chão Cheiro o último chá na chaleira cheia Cintila no cidadão a cirrose
Clamando cirurgia e um cigarro Na cintura da cadela a cicatriz Ciumenta
do caixa civilizado Cismado no cinema encima de Um cigano; corte ciente
Inconsciente claudicado Clara! Coloque o colar no colo do cliente, tenha compaixão Cobaia sob cobertor, coitado
do cometa colorido da cobiça Cobre o clero em cima de coca Coisa coincidente é comer cogumelo Conclusão,
combate a combustão Cuidado! Crucificaram a criança cuja crença Criava
cruz de culpa O crime do crioulo cruel criou cupim Cultura sem culpa e cor, culta criatura
Cuidado! Cristão cru cumpre a crise contente Caíram na cratera carregando
curativos Cura aleijada Caridade calejada. MARGARIDA Amarelaram-se
os seios da sede e gula A tez morena de Margarida anoitece O deus da vida, surdo, não ouviu minha prece E podre
em terra imóvel esconde sua medula O coração, antes forte, grita, chora e pula Negando o fim do hálito e sexo
esmorece Seu corpo agora neutro nunca amanhece Jaz na tábua do boteco fétida e chula Meus lábios insensatos
almejaram o beijo gelado Daquela meretriz que me viu crescendo Deu-me casa, comida, sexo e ordenado Todo
o tempo e prazer dera-me esmigalhado Olhe para mim, pois estou morrendo Margarida! Margarida! Seu coração está parado?
SONHO DOS ANJOS Sonho dos anjos as almas errantes em nuvens de amor crescendo a palavra
sublime em lábios mundanos A conversão do negro pecado em pureza Em harpas celestes, os anjos entoam
louvores a Deus Melodicamente embalsamando os tímpanos da pureza Homens louvando, anjos cantando Lá no
céu elevam a vitória E com asas protetoras envolve-nos em manto puro Sonho dos anjos que de tão sublimes
pousam no colo de Deus PAISAGEM Afastei-me de vós como o guerreiro se afasta do inimigo,
sorridente ao vencer a batalha Aqui no monte, meus amigos, posso enxergar o desfiladeiro e o abismo na orla da estrada
Durmo em berço puro, como o alimento puro e a pureza é minha fiel companheira desde que salvei-a, em prantos,
à beira do abismo Inspiro o néctar das estações e o cantar do galo ecoa nas montanhas enfileiradas Fechando
o vale encontram-se o círculo arbóreo e o manto azul Bem ao longe ofusca o negro brilho da montanha ardendo
entre gemidos enfumaçados À minha frente exalta-se como um monstro a montanha mais próxima A porção gigante
abrigando a sombra das nuvens Daqui vejo a copa das árvores e o barro da estrada erguerem-se ao sol E minhas
costas queimam-se no aroma exalado pelo canto dos grilos Pássaros, borboletas e mosquitos voam entre as cercas
de arame O estrume fresco das vacas do curral As formigas enfileiradas marcham seguras carregando as folhas
entre as pedras brancas que contornam a estrada Um funil irregular e sedimentado singrando no peito das montanhas
Aqui no monte o ar é puro e o vento transporta brisas refrescantes envergando o caule longo do bambuzal O
silêncio é vero e divino; É mais fácil encontrar-se com Deus onde Não há a presença humana Somente se ouve
o ranger oco dos galhos e a voz dos animais louvando a natureza A paz aqui me assusta A verdade e o real assustam
O ver é falho e o sentir enxerga através do tempo e espaço Esse manto azul com manchas brancas sobre as
imagens na tela dos sonhos Esses enormes braços verdes preparados para esmagarem meus ossos e músculos. Eu
estou no alto e quando olho em redor sinto-me supremo Estou protegido, meus amigos, e quando olho O lodo da
cidade, vejo-os engolir essas montanhas E calarem ao animais para, novamente, Escravizarem-me na planície.
COBRANÇA Cansei-me de amigos Não quero mais tê-los Procuro inimigos Para combatê-los
Eles cobram tanto Que me dá medo E fazem canto De meu segredo Não devo nada A quem não
pedi Coisa interessada Quem de graça dá É inimigo embutido Que sempre cobra E cobra
tem veneno SAUDADE Amar pessoas antigas que de lembranças doídas são sádicas precursoras,
é ofício baldado e mantém os cadáveres vivos Florear os cemitérios ou orar caído ao túmulo é inútil
arrependimento Querer ignorar a morte faz a vida sem sentido Amados apodrecidos! O lembrar esses fantasmas,
nostálgicos cobradores, que povoam nossos sonhos à espera de consolo dá-nos choro azedo entre o
gozo e tristeza indeciso Não existem lágrimas que acalentem entes passados e, no entanto, perante a solidão
passeiam entre nossos olhos para que não os deixamos fenecer Apagaríamos suas vidas se os esquecêssemos
Mas, se os esquecermos, nossa casa fica vazia sem as vidas mortas que alimentamos. MISSIVA
À MULHER AMADA II Na minha ociosidade sentei-me na calçada a contemplar a lua que chegava furiosa pela
borrasca caindo sobre a terra. Eu amo as chuvas e gosto que suas lágrimas toquem o meu corpo. Mas, também
amo a lua e a borrasca ofusca o seu brilho. Ambas, a chuva e a lua são minhas amadas e vi-te entre elas vagando
errante. Vi-te como a chuva que umedece a minha face e a liberdade de todas as máscaras. Vi-te como a lua;
eu sei que é bela, mas durante os temporais vejo-a na penumbra. VIAGEM Os troncos corriam
pela janela Infinitavam-se os milharais em tarde morna de verão Longe das tocheiras de bambu enfileiradas
ao pé da montanha dançavam os frutos de cada relva esguia Se corresse pelas estradas de terra vermelha
não avistaria o abismo deste asfalto que me transporta A poltrona macia sentia a ponte sobre o rio mas
não poderia ver a beleza de suas águas Inútil seria imaginá-la a contemplar os peixes e o lavar dos
pássaros Tudo passa e se renova restando apenas uma imagem no arquivo da memória Resta-me cerrar os
olhos e seguir viagem CORPO I (O INÍCIO) O primeiro choro vem do lamento De ter nascido
e de ter que partir O choque com a luz, louco tormento Caíra do alto à matéria unir Encontrara
o mundo um tanto cinzento O lixo dos tempos o fez poluir Do seio materno o leite pardacento Chegara
a tempo de não engolir Ainda teremos grandioso invento Que seio mecânico o vai produzir Viera
morrer pelo nascimento A tendência do corpo é sempre cair Ficasse onde estava sem o intento De mala
pronta para o mundo vir Salvaria a pele do poço lamacento Em que nenhuma sujeira pretende sair O
ritual diário como sacramento Indesejado intruso do pecado surgir Mais que prazer fora sobrevento Corpo
sem dono, quem vai te remir? O início tem a ignorância como lenimento De nada saber e nada possuir
Correndo do medo, crescimento lento Tomando pancadas quando não ouvir A palavra do mundo caótico e violento
Faz do feto um monstro construir Viera manso como vem o vento Não é importante, é que tem que vir.
CORPO II (O MEIO) Nas sinagogas cresce o alarido Ecoam dores, lamúrias e renascer As
mãos atacadas ao coração ferido Pela maldade oculta do prazer Vidas cancerosas, destino decidido Posse
de tudo sem nada ter Um beijo, um abraço, carinho falido Mecânica morta, gastando sem ter Botecos,
esquinas e amigo carcomido Pela ferrugem no ideal de entorpecer Amantes da carne, como tem ido? Seu preço
no mercado acabou de descer Membro nutrido, cadáver vestido De púrpura ungido antes de morrer Dado
aos bailes e cabelo comprido Homem perdido em seu conhecer Andando em companhia de anjo caído Mulheres
peladas vestem-se de prazer Nas noites alcoólicas e sem sentido Abraço do pecado sem se conter Saem
gargalhadas de um pulmão ferido Faz a fumaça, o tédio crescer Em cada mesa um alegre deprimido Fazendo
do corpo, amargo meio de ascender O vidro reflete o povo combalido Dançando e cantando até o amanhecer
Atrás do batom mora um lábio aturdido Querendo um choro mais que enlouquecer Atrás de toda fantasia
tem sofrido Um corpo sedento por se desprender O CORPO III (O FIM) Imóvel músculo na
brandura Isento do poder de andar Existe agora a visão escura De nada ver, nada encontrar Tarde
será quando vier a cura Inútil é querer ressuscitar Se era incrédulo não há procura Espera o tempo,
o desintegrar Se era místico, pobre criatura Almeja ter o céu como lar Secou-se o líquido fervente
da aventura Mesmo ao sol se põe a gelar Não move a língua, não tem bravura Tem silêncio de amedrontar
Galga liberto a maior altura Atrás de esteio, firme segurar Apesar de forte, dorme a estatura Um
sono infinito, finito ar Não sonha assim com mente escura É necessário o espírito falar Dia último
a vida fura Dia de revolta e tudo parar Destino certo, espera-o a sepultura Corpo inerte, passa sem nada
deixar Leva nos dedos manancial de cultura No coração mais que só amar Imagem gélida, limpa e
pura De louca não quer mais acordar Corpo pobre que almeja alvura Quantos ainda vão te adorar?
IMAGEM Ó musa das musas, senti teu perfume no silêncio da noite Vieste em sonho e encantaste
minhalma Ergueste meu corpo estirado no leito Teus braços finos e pendentes no meu pescoço curvado querendo
o chão Em chamas ardentes, meu peito em concha abrigou teus seios nus e meus lábios inertes ansiavam o hálito
quente de um único suspiro Teu sorriso branco e suave a procurar-me nas trevas Fugiste de mim deixando
um rastro de flores pelo caminho Não poderia segui-la estando preso aos limites de meu sonho Tenho saudades
deste teu brilho nos olhos e os cabelos longos Estavas reluzente e bela ao fogo das estrelas Mesmo que abraces
e caminhe ao lado de minha alma, tua luz não me será digna Mesmo que irradies paz e amor universal, meus
dedos estarão em tua cintura, Mas, minha alma caminhará à sua frente ainda olhando para trás e blasfemando contra
nossa dualidade e contradição Porém, aplaude nosso abraço e nosso choro ecoando na escuridão E acende a
luz do quarto. PREÇO DA SALVAÇÃO Os sinos acionados pela corda doentia dos crentes cegos
De mãos dadas, o povo invadia as ruas floridas Cálices em serragem colorida Rosários e coroa de flores na
garganta das crianças Já dormem os santinhos nas mãos do monstro que os levam para a forca Nenhum vento ousaria
apagar as velas acendidas pela ignorância da escravidão Na escuridão dos pensamentos roubados e impróprios Era
o único brilho de esperança de vida eterna O infindável ritual das noites cantadas pelas mulheres insatisfeitas
e homens assustados O medo da morte pairava em cada célula que pulsava Aquele era o único refúgio; o único abrigo
O único e último caminho para a salvação Todos ruminavam os folhetos decorados e ainda vomitavam o líquido
amarelado que seus podres e famintos estômagos fabricavam Apesar de decrépitos e escaveirados, carregavam sobre
os ombros um homem crucificado Acreditavam naquelas mãos feridas e nunca mais amassariam o pão Nem ergueriam
um tijolo para construir o teto de seus filhos O eco de suas palavras ainda estavam em meus ouvidos Por isso
não conseguem ouvir o choro dos pequeninos Engolidos pela fome e enrijecidos pelo frio À porta do templo depositavam
o preço da fé E ainda beijavam as gravatas douradas dos donos da verdade Os grandes sábios insanos domando
as feras que esqueceram quem são. Não enxergam mais as garras definhadas por falta de uso Pela estrada,
vão deixando as penas de suas asas leprosas E, a cada manhã, reúnem-se na praça para juntos e em cantos de
alegria quebrarem seus espelhos. DONO DO ACONTECER Atrás da noite fria esconde o escuro
E nele vela o dono do acontecer De olhos abertos e de coração duro Come fantasmas para não morrer Sustenta
à direita o fruto maduro À esquerda os miolos do saber Veste velha, tudo velho, corpo impuro Início do homem
que não quer viver Atormentado anda rastejando pelo muro Separando o manancial positivo do saber Sangrando
a face velha e peito imaturo Perdeu a medalha, troféu e tudo inseguro Marreta em punho, a derrubada do muro
Anda maluco o dono do acontecer (pois nele vela o dono do acontecer) ALÇAPÃO O passarinho
que canta sozinho pelos fios da cidade não repara na maldade do alçapão Deixa tudo em seu
caminho vai haver com seu destino cai na isca do menino de ingênuo coração Não canta mais de
um piozinho de dor e tristeza tanta que a asa se alevanta a cada lamentação E o menino fez-lhe
um ninho deu-lhe tudo de comer mas não podia entender tamanha insatisfação Um dia bem de mansinho
alguém abriu o alçapão e o pássaro voou sem direção alegre a desaparecer O menino na falta do
passarinho ao vento lançou a comida E vendo-se sem saída Chorou amargamente SUCESSÃO
Do tempo frio o negro anela a tarde Engolindo na montanha adeus do sol pra noite Chega abraçando a alvura do
chão que arde Lambendo o brilho da areia em feroz açoite O cavaleiro da lua desce à terra à noite Espada
em punho e face rubra de açoite O caça-fantasmas, espíritos vagando tarde Luta com sombras, vultos, ventos, sempre
arde Louco dos dias longos permanece o estatuto Em que sóis duram eternidade e noites momento Em que
máscaras são esquecidas em coração astuto A impiedade das horas droga o ancião astuto Sentindo enganosamente
visão errônea do momento Enternece e aborrece com a vida e queima o estatuto TEATRAL O pano cai
e a nudez do homem morto transpira os vômitos ao ranger dos dentes da pia O corpo escaveirado e o mongolismo
em cada fio de cabelo A negritude de aura Seu espelho é transparente reflete o nada atrás de nada Palmas...
palmas... palmas! O homem está no palco Palmas platéia! Não se cansa de representar a personagem O
fogo da consciência não consegue queimar suas lágrimas Não há verdade no palco O pano cai O homem cai
E platéia delirante Aplaude fervorosamente. ANIMAL Eu queria que a vida morresse que
a morte vivesse como bala no peito feito homem que canta feito homem que chora grita o deus dos botecos:
- Animal! Era o erro, era o riso pela virgem imaculada caminhando alienada horrorizando a moçada
com o terço na lama: - Animal! Canto o pai fortificante a moça arrogante o céu azul pirante
a juventude cega e ignorante e adiante vejo tudo: - Animal! Nada se completa sem a pata de
alguém Todo homem é novo e nunca tem ninguém O inverso da palavra é tão forte que se tem sentido
verdadeiro da intenção CARROSSEL Cara cansada caída no chão Cuspida ao cunhete, comprido
caixão Campos caiados com sangue de cruz Coléricos cadetes cingidos por luz Cada caminho cortado caiu Escada
celeste celebra seu fim Camas cobertas na cacunda do caçador Matando o casal carcomido de amor Campos minados
colados em carrossel Cabeças coloridas; caras comidas cogumeladas Canhão, carcaça, comungam sujos cabeludos.
JUVENTUDE UTÓPICA - I - Ouvi o primeiro fôlego da juventude utópica ataviada Aos muitos
desígnios sublimes dos espíritos relutantes Em conceder frutos carnais para a ânsia dos amantes E serem consumidos
pelos deuses desta vida malvada Fôlego, sem coragem, de medrosos pulmões e alma cansada De estar espreguiçante
e indiferente em roda de falantes A retina, ainda cega, transformando as visões que antes Contemplavam as colunas
etéreas da placenta encantada Sua pele, ainda vermelha, não tomara a cor do mundo Onde são muitos os camaleões
colorindo a falsidade Necessária à decadência oculta de um amor profundo Nem sonha que atrás das paredes existe
uma cidade Destruindo os valores ante as máscaras da verdade Para a recém-nascida, a verdade não está no mundo
- II - Entre brinquedos e tapas doídos sua infância caminhava Às vezes, quase todas, silente a interrogar-se
em tudo Que as altas e nervosas pernas vestidas em corpo mudo Arrastavam tanto e de tanto escutar, sua língua falava
Falava mamãe, papai, titio e seu choro a todos encantava Foi feliz enquanto em liberdade para tagarelar de
tudo Ignorando informações como grade que a mantinha escrava E sem compreender o destino opressivo de um sexo peludo
Não tendo conhecido as preocupações, o dia inteiro brincava Com heróis imaginários e amigos verdadeiros que
encontrava Que por mais invejosos não ousavam roubar-lhe o brinquedo Cansada de crianças, abandonou-as demasiado
cedo Procurando por aventuras adultas com as quais sonhava Serem da existência, busca incessante, o maior segredo
- III - A juventude incrédula conheceu o super-homem a que ansiava Mais que a pobreza em se conter
alheia à riqueza mendiga Era crescer em morada terrena onde ninguém e nada falava De algum poder maior e presente
do que uma benção antiga Dos livros, tratados e questionamentos foi fervorosa amiga Do Novo Testamento aos
precipícios de Nietzsche procurava Um conforto interno e a paz falsificada de uma cantiga Falando de belezas e
amores enquanto o mundo acabava Rompeu com a família tendo um coração tão duro Que ao gesto materno dando-lhe
mostra de amor puro Cuspia no prato dizendo ser a comida sólida ilusão O homem é a chave perdida de seu próprio
cadeado! Cantava pelos dias com seu sarcástico modo ensimesmado E passava as melhores noites com o cérebro em erupção
- IV - Nas ruas, a agressividade vestia-se de roupas coloridas Camuflando os inquietos canhões entre
flores estampadas Com perfume alucinante atrás de grandes orelhas doídas E torcidas pelos dedos sujos de autoridades
enganadas A juventude utópica era nula concorrente das caras cansadas Ostentando placas obscenas e bandeiras
de ideologia caídas Idolatrando homens comuns e mortos por épocas passadas Pela mesma arma do combate em suas revoluções
falidas Desejava destruir os edifícios altivos e viver entre ruínas Comendo ratos e divulgando, ao léu, suas
idéias aquilinas Até que se lamente, passada a euforia, pela cama macia E agora, onde estará o tão sonhado
mundo melhor? Talvez a resignação escrava não poderia ser pior Do que esta grupal irresponsabilidade e união vazia
- V - No suor das passeatas cantarolava a mocidade embriagada Batendo, sem ritmo, os instrumentos
pesados soam profundos Descontentamentos pelo infortúnio a criar pacíficos mundos Onde amor e paz, estas antigas
e mortas palavras do nada Ferem os lábios azedos no conflito da insânia calada Trancando no peito desnudo,
indomáveis discursos moribundos Que falam de pacificadores derrotados, do mal oriundos Vestidos de santos faladores
com gesto e oratória encantada Os destruidores de templos a defender meta imprecisa Perdidos entre as ruínas,
nenhuma construção realiza Mocidade independente afeita a inconseqüente malfazejo Erguem os cartazes inúteis
e rastejam nas ruas cantando Vomitam pelos banheiros públicos com a alma chorando Paz e amor, estas palavras, inevitável
e errôneo desejo - VI - Das mocinhas soltas e arregaladas a mocidade foi amiga Amando-as como
irmãs tristonhas e petrificado coração Deu-lhes o carinho dos pais entoando-lhes doce cantiga Versando sobre doces
palavras limpas e beijando-lhes a mão Seu leito, antes um templo, transformou-se em rude prisão Onde os seios,
altivos comandantes, armando grade antiga Enferrujavam-se e caíam sobre as garras de qualquer mão Que alisava as
pernas populares numa fidelidade inimiga Noites dionisíacas arquitetava sua alma muito contente A perfumar
os lençóis e dobras eróticas tão consciente Do grande vazio ulcerado e prazeres mortos pela manhã Nada, dentre
todos os conflitos, traz euforia vã Para a felicidade inteira de toda a juventude sã Do que lutar na cama por um
motivo inconseqüente - VII - Sobre os maus filhos da droga nada tenho a declarar A não ser neurônios
inocentes em impiedoso assassinato A bestialidade do jovem babando e andando como um rato Sobre os lixos da cidade
com as narinas a sangrar Muitas famílias destruídas, crianças e mulheres a chorar Por tormentos incontáveis;
veneno constante de um só ato Que de uma agulha, ou um trago, ou um simples inspirar Fez sucumbir deste mundo o
mais sublime e vero retrato Um corpo, inimigo do espírito, não consegue mais andar Como cidadão das construções
divinas sem se contemplar Em face ao mal encarnado oprimindo o coração Maior desprezo e solidão por muito
não pode suportar Quero não falar que um satanás entorpece a razão Sobre os maus filhos da droga nada tenho a declarar
- VIII - Tu és o meu esconderijo; tu me preservas da tribulação... Soubesse a juventude encher de
belezas o entendimento Não seria um cair constante a sina de seu coração Imaturo contra os dardos intermitentes
do crescimento Cessaria toda angústia e morreria o desejo do lamento Pelas inutilidades mundanas e ociosidade
suja da paixão Não regaria a árvore que esculpirá seu próprio caixão Para deitar a massa sangrenta ao último sofrimento
Nem mendigaria fartando na mesa um precioso pão Vindo dos céus para cobrir a fome do ferimento Que a fé
causou-lhe ante o infortúnio da separação Deus é palavra difícil a que a boca sem alimento Rumina como último
recurso pela necessária salvação ... e me cercas de alegres cantos de livramento. - IX - Viver
nesse oco mundo e estar em vida predestinado A decompor-me entre vermes carnívoros finda a loucura De correr sem
direção por um objetivo tão ignorado Quanto o de ser grande e belo em criação futura A morte me faz assim
com um pequeno coração afiado Contemplando, eterno instante, néctar de doce amargura Antes não tivesse nos prazeres
e pândegas confiado Como lenitivo para acalmar minha inquieta bravura Caminho ansioso a sobraçar os ferimentos
da agonia Que sangram constantemente pelos ataques de melancolia Cobrindo meus dias de estrelas e negrume lastimável
Todas as ataduras mundanas não estancariam a hemorragia Desta divina ferida que o tempo ofertou-me um dia
Para que seja somente humano e nunca louvável - X - Procuro belos símbolos para adornar a visão
ferina Da cena mortuária que a juventude utópica cria Em cada erro de caminho e direções a alma fria Titubeando
faminta e pobre entre as jóias da mina Todo tempo perdido à porta da imaginação vazia Mendigando o pão venenoso
da caridade sovina Não engorda sem o conflito atacando a apostasia Nos tempos de conflito sendo popular peregrina
Pensamento positivo, orações, mente sã, fim do mundo A morte continua mastigando o ideal vagabundo E
as luzes ainda temem o império da escuridão Que grande verdade obscura existe em um segundo? Que mão irresoluta
orienta seu secular coração? Ah, juventude utópica, enterro-te nas ruínas do mundo.
- Digitado por ROSANA GOMES OLIVEIRA - Revisado por MARCELO ANTONIO ROCHA
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